Ocupação UEINZZ
Performances, conferências e filmes
Ocupação UEINZZ é o momento em que a trajetória da Cia Teatral Ueinzz se expõe a uma rede mais ampla de práticas estéticas, de experimentações clínicas, de vozes do pensamento contemporâneo. Como em Joyce, que inspira a peça Finnegans Ueinzz, esse evento pretende-se uma espécie de rio, de correrio, de riverrun, onde muitas línguas compõem uma torrente cíclica. O leitor ideal de Joyce era aquele que padecia de uma insônia incurável, e que uma vez terminada a leitura do Finnegans Wake retornaria à primeira página, empreendendo uma leitura sem fim. A própria obra, afinal, era apenas um trabalho-em-curso. A ocupação UEINZZ não pode pretender a um tal estatuto, mas se inspira parcialmente nesse princípio – não é um mero ajuntamento de coisas afins, porém se propõe a um deslizamento entre planos, cenas, modos de existência. Um trabalho-em-curso, inacabado porque infinito – retoma-se aqui o que parece prestes a desaparecer ali, mundos que estão por um triz e que lutam para recriar-se. Nada disso pode ser saturado ou suturado. Por vezes é no contexto da maior urgência que é necessária uma pausa, uma interrupção, uma deambulação.. Quem pode dizer que não é na sonoridade de um trovão que ocupa várias linhas ou muitos segundos que se dá a ver e ouvir o que ninguém suporta? E quantas rupturas de sentido é preciso acolher ou deixar vir à tona ou mesmo promover para desarticular aquilo que nos impede de sentir e pensar o presente?
É um evento improvável, toda essa junção: Cia Teatral Ueinzz, Alejandra Riera, Jean Oury, Juliano Pessanha, David Lapoujade, Miriam Chnaiderman, Joris de Bisschop, Celso Favaretto, James Joyce, Laymert Garcia dos Santos, Félix Guattari... Mas não é numa tal “assembléia” disparatada que o intraduzível pode ter lugar, precisamente nos momentos de suspensão, de co-errância, de aposta renovada? Um trabalho-em-curso, capaz de atingir um limiar de interferência não só no sentido físico do termo, mas também televisivo.
Fios foram estendidos em direções as mais diversas, por vezes desproporcionais com o tamanho da trupe e seu percurso. Um deles vai até a lendária clínica de La Borde, na França, cujo diretor, Jean Oury, foi responsável, junto com Félix Guattari, por uma experiência coletiva cuja força e intensidade não pode nos deixar indiferentes. La Borde não é uma estrela em extinção cuja luz nos chega agora, encarnada na figura de seu fundador, mas é uma experiência viva, cujos fragmentos extemporâneos que se poderá apreciar falam de uma relação com a catástrofe, a ambiência, o coletivo, a singularidade, em tudo relevantes diante dos sistemas de alienação diversos da atualidade. O arquivo de imagens, por sua vez, sobretudo na forma de documentários, traz camadas dessa experiência que remontam pelo menos à guerra civil espanhola, na figura do psiquiatra catalão François Tosquelles, pioneiro da revolução psiquiátrica. Essa linha continua até as entrevistas gravadas com Félix Guattari, militante, psicanalista e pensador cuja penetração no Brasil, nos mais diversos domínios, produziu efeitos consideráveis. Do filme “Mínimas Coisas”, feito em La Borde em torno da montagem de uma peça de Gombrowicz, até a esplêndida apresentação do dançarino japonês de butoh, Min Tanaka, é toda uma vitalidade que aparece nesses vídeos, transbordando a datação histórica e o contexto francês, e que persiste por assim dizer em excesso, como um conjunto de cintilâncias a serem captadas e consteladas no presente. Outros fios se estendem em várias e valiosas contribuições que, por exemplo, põem em jogo a própria crença no mundo e a confiança no devir dos que nele vivem – simpatia – sem a qual, como já o sentia William James, é outra a cor da vida. Pois é da vida que se trata, a vida em sua dimensão de precariedade, nas concreções estéticas as mais diversas que daí emergem, ou nas inflexões clínicas e políticas.
Nesses doze anos de existência a Cia Teatral Ueinzz suscitou curiosidade, admiração e estranhamento no meio cultural de São Paulo, bem como em outras partes do Brasil e do mundo. Com sua maneira singular de colocar-se em cena e compartilhar experiências-limite, interrogou a fronteira entre arte e vida, colapso e criação. Foi a partir dessa zona incerta que tal aventura deslanchou, como uma Nau dos Insensatos à deriva no circuito da cidade, colhendo e espalhando seus signos tímidos, suas vozes gaguejantes, seu humor hilário, suas rupturas de sentido. Línguas primevas ou tonalidades inauditas pareciam chamar por uma outra sensibilidade – talvez também por uma outra comunidade – a comunidade-dos-sem-comunidade.
É um evento improvável, toda essa junção: Cia Teatral Ueinzz, Alejandra Riera, Jean Oury, Juliano Pessanha, David Lapoujade, Miriam Chnaiderman, Joris de Bisschop, Celso Favaretto, James Joyce, Laymert Garcia dos Santos, Félix Guattari... Mas não é numa tal “assembléia” disparatada que o intraduzível pode ter lugar, precisamente nos momentos de suspensão, de co-errância, de aposta renovada? Um trabalho-em-curso, capaz de atingir um limiar de interferência não só no sentido físico do termo, mas também televisivo.
Fios foram estendidos em direções as mais diversas, por vezes desproporcionais com o tamanho da trupe e seu percurso. Um deles vai até a lendária clínica de La Borde, na França, cujo diretor, Jean Oury, foi responsável, junto com Félix Guattari, por uma experiência coletiva cuja força e intensidade não pode nos deixar indiferentes. La Borde não é uma estrela em extinção cuja luz nos chega agora, encarnada na figura de seu fundador, mas é uma experiência viva, cujos fragmentos extemporâneos que se poderá apreciar falam de uma relação com a catástrofe, a ambiência, o coletivo, a singularidade, em tudo relevantes diante dos sistemas de alienação diversos da atualidade. O arquivo de imagens, por sua vez, sobretudo na forma de documentários, traz camadas dessa experiência que remontam pelo menos à guerra civil espanhola, na figura do psiquiatra catalão François Tosquelles, pioneiro da revolução psiquiátrica. Essa linha continua até as entrevistas gravadas com Félix Guattari, militante, psicanalista e pensador cuja penetração no Brasil, nos mais diversos domínios, produziu efeitos consideráveis. Do filme “Mínimas Coisas”, feito em La Borde em torno da montagem de uma peça de Gombrowicz, até a esplêndida apresentação do dançarino japonês de butoh, Min Tanaka, é toda uma vitalidade que aparece nesses vídeos, transbordando a datação histórica e o contexto francês, e que persiste por assim dizer em excesso, como um conjunto de cintilâncias a serem captadas e consteladas no presente. Outros fios se estendem em várias e valiosas contribuições que, por exemplo, põem em jogo a própria crença no mundo e a confiança no devir dos que nele vivem – simpatia – sem a qual, como já o sentia William James, é outra a cor da vida. Pois é da vida que se trata, a vida em sua dimensão de precariedade, nas concreções estéticas as mais diversas que daí emergem, ou nas inflexões clínicas e políticas.
Nesses doze anos de existência a Cia Teatral Ueinzz suscitou curiosidade, admiração e estranhamento no meio cultural de São Paulo, bem como em outras partes do Brasil e do mundo. Com sua maneira singular de colocar-se em cena e compartilhar experiências-limite, interrogou a fronteira entre arte e vida, colapso e criação. Foi a partir dessa zona incerta que tal aventura deslanchou, como uma Nau dos Insensatos à deriva no circuito da cidade, colhendo e espalhando seus signos tímidos, suas vozes gaguejantes, seu humor hilário, suas rupturas de sentido. Línguas primevas ou tonalidades inauditas pareciam chamar por uma outra sensibilidade – talvez também por uma outra comunidade – a comunidade-dos-sem-comunidade.
Espetáculo FINEGANS UEINZZ
Concepção, direção e instalação Cássio Santiago
Co-direção e dramaturgista Elisa Band
Coordenador geral Peter Pál Pelbart
Coordenação de atores Ana Carmen Del Collado, Eduardo Lettiere, Érika Inforsato, Paula Francisquetti e Peter Pál Pelbart
Roupa de cena Simone Mina e Patricia Brito
Luz Alessandra Domingues
Composição musical Livio Tragtenberg
Paisagens sonoras Cássio Santiago e Elisa Band
Assistência e operação de luz Luana Gouveia
Assistência e operação de som Jucca Rodrigues
Assistente de produção Thaís de Almeida Prado
Design gráfico Érico Peretta
Produção Ricardo Muniz Fernandes
Ocupação UEINZZ - de 9 a 20 de setembro de 2009 - SESC Avenida Paulista